A mulher de vermelho e branco é "number one"
Por Márcia Lira em
“Number One” é uma gíria usada por uma das personagens-chave do livro de Contardo Calligaris, LeeLee. É uma escala onde um é uma maravilha e dez é péssimo. Colocaria A mulher de vermelho e branco (Companhia das Letras, R$ 39) no topo desse ranking (Ok, number three). O livro é do tipo que prende a atenção, porém de uma forma madura. Nada de tirar o fôlego ou de não conseguir parar de ler para dormir. É elegante. Por exemplo, você está trabalhando e se pega pensando na situação dos personagens.
Engraçado é que o apego não é ao protagonista da trama, o psicanalista Carlo Antonioni. Brasileiro, radicado em Nova York, é pelo ponto de vista dele que acompanhamos duas histórias intrigantes de mulheres bem diferentes. A primeira, a paciente Woody Luz, uma americana quase brasileira, mãe de dois filhos, com sérias dificuldades de relacionamento com o marido marroquino Khaloufi, sendo o choque-cultural um dos principais pontos.
E tem LeeLee, ex-namorada dele. Personagem tão especial que, se fosse no cinema, a atriz que a incorporasse seria uma das favoritas ao oscar de coadjuvante. Uma mulher vietnamita que passou por maus bocados ao fugir da guerra do Vietnã para encontrar refúgio em Paris. Décadas depois, LeeLee ainda tem uma obssessão por se livrar dos fantasmas do passado e é com a ajuda de Carlo que isso vai acontecer.
“Eu ficava com a impressão de que a jovem descolada, de uma hora para outra, denunciaria aquela senhora careta que ela vestia como se fosse uma máscara. Essa dualidade, essa contradição, eram vagamente inquietantes.”
Bom, Contardo Calligaris é doutor em psicologia clínica, um italiano radicado no Brasil, e não precisa de muito mais para perceber que Carlo Antonioni é um alter-ego dele. A mulher de vermelho e branco é a segunda incursão do escritor na ficção – depois de O Conto do Amor -, mais especificamente o segundo livro com o mesmo personagem central. A impressão que eu tenho é que o autor usa com tanta propriedade a experiência de mergulhar na mente humana que acaba fazendo do leitor o próprio paciente.
Carlo nos conduz pela história dessas mulheres, compartilha suas observações sobre o comportamento delas, até divide indagações e inseguranças. Mas ficamos bem longe de conhecermos ele a fundo. Exatamente como acontece numa terapia, quando pouco sabemos sobre a vida do psicólogo. O mistério é bem-vindo, nos deixa imaginar. No meio de uma investigação policial, o mais interessante é enxergar as situações como um grande parque de diversões psicológico.
Tenho que dizer que não encontrei um grande trabalho de lapidação de palavras na obra. O que não significa que não seja um texto inteligente e fluido. A minha aposta é que as próximas tramas do Calligaris serão ainda mais saborosas.
Pesquisando sobre ele, encontrei uma ótima entrevista na Marie Claire. Foi realizada em 2008, mas é tão legal como se tivesse sido feita hoje. Para se ter ideia, ele diz que o melhor filme sobre gravidez é Alien (1979) e que não tem interesse na felicidade: “a gente foi convencido pela ideia de que o sofrimento não deve fazer parte de nossas vidas”.
Foto de Contardo: Tom Cabral/ Santo Lima.
3 comentários
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