A Visita Cruel do Tempo, um livro frenético, humano e musical

Por Márcia Lira em 14/02/2021

Se a sua vida passasse como num filme em que você pudesse acompanhar o que aconteceu com as pessoas que cruzaram o seu caminho, como seria?

E se pudesse contemplar as escolhas e os sentimentos que fizeram aquela amiga de infância estar onde está agora. E como eu participei disso?

Você já imaginou que impacto teve em pessoas das quais nem se lembra mais?

Que diferença fez naquele momento para elas? E o trauma que pode ter causado? Sem ter a mínima ideia, que bem você fez?

Foi com esse turbilhão de perguntas que terminei o livro A Visita Cruel do Tempo, da Jennifer Egan.

Uma leitura frenética

Uma das coisas mais interessantes é que sendo um livro super frenético e cheio de acontecimentos (teve momentos em que até me cansei de tanta coisa que acontece nesse livro, boas e ruins), ainda assim, me despertou tantas questões e muitas emoções também.

É o tipo de livro que você lê rápido. Talvez porque acontece numa megalópole como New York City, em que todo mundo se move com agilidade em meio a tantos encontros e muita solidão.

Talvez pela linguagem que mescla pensamentos dos personagens com as ações que ele está vivendo agora. Você começa a ler devagar e, quando menos espera, está correndo.

Mas o melhor é a costura

Não tem como falar desse livro sem elogiar a costura que a autora faz entre os personagens. São 13 capítulos, cada um sob a ótica de um personagem diferente. Às vezes o capítulo é na visão do filho, dez anos depois que a mulher do capítulo anterior o teve.

Mas tem momentos em que o link é mais distante e a gente demora a entender. Chega no final e você percebe que aquele cara é o amigo de infância do produtor musical, e eles se encontram e lambem as feridas ganhas na relação.

É uma leitura meio vertiginosa, uma montanha russa. Começa no primeiro capítulo, dá umas pausas quando você para de ler o livro, aí quanto você retoma a leitura é como dar play no filme e tudo começa a se mexer de onde parou.

Pensando bem, eu não sei se teria sanidade mental para acompanhar os acontecimentos e sentimentos da vida de 13 pessoas que passaram pela (ou que estão na) minha vida. Imagina, você teria?

Um livro musical

Nesta leitura, a música é a linha que conecta todos. O centro é um grupo de amigos adolescentes que se encontrava para chapar e escutar música e paquerar e transar ao som das grandes ou pequenas bandas de rock, e o rumo que a vida deles toma a partir dali, as pessoas que eles encontram.

É um livro muito musical, os personagens amam música, muitos são ou já foram de banda, do show business, músicos, produtores, assessores.

Eu não sou muito musical, mas com certeza quem é vai amar esse livro, tem muitas referências e como ele passa por diversas décadas, conta um pouco da história da música também.

Altamente recomendado

A Visita Cruel do Tempo, da Jennifer Egan, não é um livro de grandes frases mas é uma obra de contemplação do que é humano.

Com uma certa leveza e essa agilidade, a narrativa contempla questões que se manifestam ao nosso redor: relacionamentos, traição, identidade, trabalho, sucesso, decadência, vícios como cleptomania, suicídio, doença, etc. Fala das marcas que a vida e as pessoas deixam em cada um.

Antes de escrever livro, a norte-americana Jennifer Egan já era best-seller com o livro The Keep, traduzido no Brasil como O Torreão, uma trama de suspense e um pouco de literatura fantástica pelo que entendi.

E antes disso já era uma jornalista premiada, nascida em Chicago e moradora de São Francisco, casada e com dois filhos.

O tom jornalístico é visível na história porque ela não opina diretamente sobre o que aconteceu com os personagens. Ela narra. E as opiniões ficam por conta deles.

O livro ganhou o Prêmio Pulitzer, eu achei merecido.

Eu amei essa leitura. Me fez viver intensamente diversas vidas em Nova York, me conduziu a pensar em várias coisas. Sobre as pessoas e sobre mim.

Sinto que saí diferente do que entrei.