Trilogia Millenium: apenas a melhor série policial da minha vida
Por Márcia Lira em
Quando eu li as primeiras páginas de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, do Stieg Larsson, eu não fazia a menor ideia de onde eu estava me metendo. E nem onde eu ia parar.
Terminei o terceiro volume da trilogia Millenium, no final de dezembro, fiquei pelo menos uns 15 dias desnorteada com uma mega ressaca literária por motivos de: que livros incríveis!
Só escrevendo essa resenha eu me dei conta de que comecei o primeiro livro em janeiro de 2016. Ou seja, um ano mergulhada nas tramas que o autor desenhou. Mesmo com outras leituras no meio, sinto como se parte de mim tivesse feito essa viagem de um ano para a Suécia, e vivido boas aventuras em cenários de cartão-postal, especialmente em Estocolmo.
Tudo isso acompanhada de pessoas fenomenais: a hacker franzina e tatuada Lisbeth Salander, o jornalista investigativo garanhão Mikael Blomkvist e a elegante empresária da comunicação Erika Berger.
Sim, amigos, a trilogia Millenium é tudo o que dizem
Com esses e outros personagens que apareceram no caminho, aprendi muito sobre o país da maior qualidade de vida, que precisa evoluir em aspectos sociais e políticos. Foram desvendados crimes misteriosos e atrocidades foram investigadas, muita justiça foi feita oficialmente e extra-oficialmente, e reportagens em forma de denúncia foram publicada dentro da trama expondo criminosos aparentemente incapturáveis. Ufa! Foi um ano e tanto! Hahaha.
O estardalhaço é justificado: vale a pena ler três calhamaços que resultam em 1.814 páginas.
Lisbeth Salander é uma das melhores personagens femininas de todos os tempos. A anti-heroína, com “A” maiúsculo.
Se você gosta de investigação policial e/ou livros com abordagem político-histórico-econômica e/ou histórias bem localizadas geograficamente e/ou livros que fazem você se agarrar à trama até esquecer de dormir, esta trilogia é pra você.
Agora eu vou destrinchar um pouco por livro, pra ver se dou conta de explicar o meu encantamento:
Livro 1 – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (2005)
Depois da overdose de entusiasmo acima, acho importante ressaltar que você não é obrigado a ler todos os calhamaços para ter uma ideia do que é a trilogia, tem gente que lê apenas esse primeiro e fica feliz. Acho válido.
No enredo, o recém-condenado jornalista investigativo Mikael Blomkvist é convidado pelo poderoso industrial Herik Vanger para escrever uma biografia da sua família. Uma atividade de fachada para esconder o real motivo da contratação: vasculhar a família para obter pistas sobre o desaparecimento da sua neta, Harriet, há décadas.
E assim começa a se desenrolar a trama, que apresenta os personagens, e respeita todo o nosso amor por uma boa reviravolta. Tem uma coisa muito importante de ser dita, o livro só pega mesmo pela página 200. Antes disso Stieg Larsson se dedica com maestria a situar o leitor no contexto histórico em que acontece a trama, apresentar os seus complexos personagens, seus talentos e frustrações, e o cenário social, político e econômico da Suécia e Estocolmo.
Mas é depois de duas centenas de páginas lidas que as coisas começam a acontecer de verdade. Em compensação, a partir de então você será totalmente recompensado com uma história que monopoliza sua vida. Menção honrosa para a hora em que Lisbeth entra em cena, magnífica, num trecho que fiz questão de ler várias vezes:
Com ceticismo, contemplou Lisbeth Salander, sua colaboradora trinta e dois anos mais jovem, e pela milésima vez constatou que ninguém parecia mais mal instalada que ela numa prestigiosa empresa de segurança. Seu ceticismo era ao mesmo tempo refletido e irracional. Aos olhos de Armanskinj, Lisbeth Salander era indiscutivelmente a researcher mais competente que ele encontrara em todos os seus anos naquele ramo. (…) Armanskinj teve dificuldades de se habituar ao fato de seu melhor cão de caça ser uma jovem pálida, de uma magreza anoréxica, com cabelos quase raspados e piercings no nariz e nas sobrancelhas. Tinha a tatuagem de uma vespa no pescoço e uma faixa tatuada ao redor do bíceps do braço esquerdo. Nas poucas vezes em que Lisbeth usara uma regata, Armanskji constatara que ela também tinha uma tatuagem maior na omoplata, representando um dragão.
É uma personagem única, uma mulher bonita com corpo frágil, marcada pela sua história e que vive à margem das convenções sociais e resolve as coisas de um jeito próprio. Uma das maiores hackers da Suécia. Tem problemas com relações de poder e autoridades, mas ao mesmo tempo tem um senso de bondade e justiça muito grande. Agora fantástica mesmo é a parte em que ela se encontra com o outro personagem principal o Mikael Blomkvist. É uma cena super divertida numa situação bem peculiar, e não teria graça nenhuma eu contar. São várias histórias acontecendo ao mesmo tempo no livro: o mistério da Harriet sendo descortinado. A relação entre Mikael e Lisbeth. A relação entre Mikael e Erika, da revista Millenium. A história dele com a revista, a carreira como jornalista investigativo econômico. A família Vanger e os mandos e desmandos industriais da Suécia. A questão das mulheres, a violência contra a mulher, e todas as suas facetas.
Destaque para a Mildred, uma personagem que aparece rapidamente com uma informação chave para a investigação do Super-Blomkvist no caso do desaparecimento da neta Vanger. Só fiquei pensando que o nome incomum é uma homenagem do Stieg Larsson à Mildred do Ray Bradbury, a mulher do bombeiro no livro Fahrenheit 451. Amo essas intersecções <3
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Livro 2 – A Menina Que Brincava Com Fogo (2006)
Fica muito difícil contar desse livro sem fazer spoilers, por isso prefiro falar bem pouco. Enquanto o primeiro da trilogia Millenium tem um fechamento muito decente pra quem não quer mergulhar mais fundo, o segundo é 100% um livro de meio de história.
Depois dos acontecimentos finais de Os Homens…, em que Lisbeth Salander simplesmente salva a vida de Blomkvist, ela dá uma fugida de toda a situação que se forma e passa um bom tempo viajando por lugares incomuns e até exóticos. Depois a gente percebe que essa abertura do livro 2 serve pra gente se aproximar ainda mais da personagem, entender seu funcionamento e suas motivações, seu jeito, é só ela e o leitor.
Enquanto Salander viaja, a revista Millenium passa a fazer uma nova investigação nas trilhas do tráfico de mulheres e trabalho infantil. Uma história prestes a ser denunciada pela revista é interrompida quando os seus autores são assassinados. Quando Lisbeth volta, começa a ser perseguida. É uma sequência de fatos tão alucinante, tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo em vários níveis e é impressionante como Stieg Larsson consegue unir todas as pontas convergindo para o mesmo ponto.
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Livro 3 – A Rainha do Castelo de Ar (2007)
Quer um conselho? Se você estiver terminando o segundo livro da trilogia, certifique-se de ter o A Rainha do Castelo de Ar à mão. O nível de frisson é tão grande nas últimas páginas do segundo livro que você vai querer continuar a leitura imediatamente.
Em um show de horrores, Lisbeth foi baleada e é recebida com um fio de vida no hospital. Só pra você ter ideia de como começa esse terceiro “capítulo”. Esse foi o livro que eu demorei mais a ler simplesmente porque eu não queria acabar a trilogia.
Lisbeth vira a criminosa mais procurada do País e ela vai ter que provar sua inocência em um cenário em que isso parece a coisa mais improvável do mundo. Principalmente pela formação de um núcleo político de alto escalão dentro do Governo pra garantir justamente o contrário. Mas é claro que ela conta com a ajuda do Mikael Blomkvist, e de mais outros poucos amigos que se unem numa estratégia obscura para salvar a pele da anti-heroína.
Bom, eu também não quero contar mais, seria muito injusto com você. Mas o que posso dizer é que o livro fecha à altura a trilogia.
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O sucesso que Stieg Larsson não conheceu
Uma das coisas que mais me capturou na trilogia é a certeza de que você está acompanhando uma história fictícia, montada sob um suporte de informações minuciosamente verídicas. Fica claro que o objetivo do Stieg Larsson não foi só escrever uma boa história policial, ele usou a trama para tornar interessante e palatável todo o conhecimento sobre o seu País adquirido ao longo da vida.
Os livros não são grandes à toa, o nível de detalhamento é alto. É uma generosidade e um legado que ele deixa. É o tipo do livro que você lê sem respirar, e ainda aprende muito. Stieg Larsson foi um dos mais influentes jornalistas e ativistas políticos suecos, conhecido por denunciar veemente organizações fascistas e nazistas.
Ele faleceu oficialmente de um ataque cardíaco em 2004, com 50 anos, aparentemente depois de subir vários lances de escada. O fato é que fica difícil de acreditar nessa versão depois de ler toda a trilogia e saber que ele vivia sob constantes ameaças.
Ainda bem que pouco tempo antes de falecer ele entregou a trilogia à editora, que começou a ser publicada no ano seguinte. Mas é triste saber que o autor não viveu pra ver o estrondoso sucesso que a Millenium fez, em vários países, os prêmios, os filmes.
E mais triste ainda que ele não esteja aqui para contar mais sobre a Lisbeth. Acho que daria uma série literária nível Sherlock Holmes contemporânea. Parece que a ideia dele era escrever 10 livros. :/
Um colega, jornalista e escritor, Jan-Erik Petterson escreveu uma biografia do autor, e eu pretendo ler para entender mais sobre o contexto de criação dessa obra. O nome é Stieg Larsson: A Verdadeira História do Criador da Trilogia Millenium.
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Estocolmo, um dia a gente se encontra
Conheci um bocado da Suécia, principalmente Estocolmo, com direito a nomes de ruas e de bairros. A paisagens inteiras na minha cabeça.
Pra vocês terem ideia, Stieg Larsson coloca a gente tão dentro do país dele que muitas vezes eu pegava os nomes impronunciáveis dos bairros, ou das ruas onde as cenas do livro se passavam, ou do lugar da casa de campo onde Mikail ia pra pensar melhor, e jogava como hashtag no Instagram para ver fotos daquele lugar. E aí visualizava o que era descrito, imaginava quase detalhes de como tinha acontecido. Tudo tão lindo que eu tomei essa decisão de visitar a Suécia assim que possível. Espero que dê tudo certo pra isso.
Não é uma visão infantil porque a gente também conhece o lado bem feio da Suécia, que é tido como o país perfeitinho. Stieg Larsson mostra podres da economia, os subterfúgios da política do País, os crimes inimagináveis das altas esferas de poder.
Empoderamento feminino, por um homem
E o que dizer do Mikael Blomvitski, que nunca vi mas que considero pacas? Um jornalista investigativo com I maiúsculo, daqueles que eu estudei nas teorias da comunicação da faculdade. Um que abdica de quase tudo na vida para ir atrás de uma história cuja denúncia pode melhorar o País e o mundo.
Um dos donos de uma revista independente e com sangue nas veias chamada Millenium, cujo nível dos repórteres é acima da média. Além de tudo, um cara bonito, atraente, inteligente e galanteador, que não perde uma boa chance com uma mulher interessante.
Não é a toa que ele e Érika Berger nunca conseguem se desgrudar. Desculpa a expressão, mas que mulher foda é Erika Berger! Uma profissional super conceituada no meio empresarial e dos veículos de comunicação, também sócia da revista Millenium.
Pra mim, o que mais fica é a força inspiradora das mulheres do livro. Em um momento em que as discussões de gênero, empoderamento feminino, o papel da mulher, o não ao feminicídio estão tão fortes, eu fico muito feliz de ter encontrado num livro escrito por um homem a abordagem de todas essas questões.
Sou 100% adepta da ideia de que devemos ler mais mulheres, mas como é bom ver um homem, mesmo que do outro lado do mundo, tocar questões tão fundamentais e enaltecer as mulheres, dando um se liga na sociedade, com personagens densas e com tramas muito bem amarradas.
O quarto livro
O consolo quando você acaba a trilogia é que ainda tem um golpe de misericórdia, o quarto livro da série: A Garota na Teia de Aranha, não mais escrita pelo Stieg Larsson obviamente, mas sim pelo jornalista russo David Lagercrantz.
As duas melhores companhias do feriado se chamam: Lisbeth e Blomkvist. Essa dupla tinha deixado saudade. Desde que li a trilogia em 2014, me senti meio que órfã. hahaha #menos1naestante #millennium #lisbethsalander #mikaelblomkvist #stieglarsson #trilogy #lisbethisback #instabook #leitura #leitores #bookstagram Uma publicação compartilhada por Rita Costa (@ritarec) em
Eu acho estranho demais a continuação de uma trilogia escrita por outro autor, sendo que ele não pode mais conversar com o autor original, que morreu 11 anos antes, sobre o livro. Embora meu purismo de fã ache uma situação desnecessária, sinto que não vou ter como resistir a mais uma história de Lisbeth e Mikail <3
O lançamento foi em 2016, e as pessoas que leram dizem em geral que é uma história boa que não chega à altura de Larsson, mas também não faz feio.
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O filme americano é o melhor
Sinceramente, eu não acho que vale a pena você ver o filme primeiro e depois ler o livro, se você já não assistiu. O livro é tão rico, e ver o filme primeiro só vai fazer você curtir os ápices da narrativa, sem a delícia dos detalhes que fazem toda a diferença.
É importante saber que há um filme sueco para cada livro, mas contrariando o fluxo natural, esses se distanciam um pouco da história original, com atuações aquém dos personagens. Já o cinema americano refilmou Os Homens Que Não Amavam as Mulheres com esmero, colocando Rooney Mara para ser a nossa diva Salander e o Daniel Craig para ser o charmoso Blomkvist.
Posso dizer que foi fantástico ver o filme logo depois de terminar o livro. A adaptação é uma obra pra fã, bem fiel à história. Só lamento que o cinema americano não tenha ainda filmado as continuações da série. Oremos.
Espero que vocês tenham gostado da minha análise sobre os livros. Concorda, discorda, acrescenta? Quero saber. Fãs de Stieg Larsson, vamos nos unir <3
3 comentários
AUTOR
Márcia Lira
Márcia Lira. Jornalista. Social Media. Especialização em Jornalismo Cultural. Fundadora do Menos1naestante há 11 anos. E-mail: marcialira@gmail.com.
Eu sabia que vc ia adorar! Eu li em 2014 e fiquei louca, só falava nos livros e fiz todos a minha volta lerem tb. Adoro o filme americano mas não tive a chance de ver os suecos e tb não li o quarto livro, tive receio de me decepcionar. Nossa, é tão bom quando alguém fica apaixonado por algo que nem a gente! Abraços e excelente crítica
É exatamente isso, a gente ama tanto que quer que todo mundo descubra como é maravilhosa essa trilogia. Você vira militante de Stieg Larsson hahaha. Obrigada pelo comentário, faz a gente curtir ainda ter um blog 🙂
Olá!
Vem cá, vamos nos abraçar e conversar sobre a única trilogia possível! O único ponto em que discordo de você é a respeito dos filmes, pra mim, os suecos estão muito a frente dos americanos (exceto o 2, que realmente cortou alguns detalhes importantes), mas tirando isso, você tirou todas as palavras da minha boca a respeito dessa trilogia, que agora é série, mas sabe que, um certo jornalista disse que Stieg escreveu o quarto volume, mas entregou só pra esse cara e pra esposa – e aí rolou todo esse imbróglio. Mas, é melhor ter esse quarto do que não ter mais. Eu li a biografia do Stieg e recomendo demais, não fala só do autor, mas também de vários aspectos envolvendo a história da Suécia. Leia também o "Stieg Larsson antes de Millennium", é a vida dele em versão quadrinhos, publicado pela editora Veneta, recomendo demais!
http://resenhaeoutrascoisas.blogspot.com