Pensar demais cansa: um pouco de Milan Kundera
Por Márcia Lira em
Tem horas em que a gente se compromete tanto com um projeto, um trabalho, que em algum momento aquilo suspende todo o resto da sua vida.
Por exemplo, um trabalho ou um projeto, um estudo que mesmo valendo a pena (ou deveria valer), causa desgaste mental. E como deixa a cabeça desorientada!
Acabei de sair de uma fase assim e quando estava nela lembrei muito de um personagem de A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera.
É o renomado médico Tomas, um dos principais na história que acontece em Praga, cirurgião conceituado entre os “homens de ciência”.
Em um determinado momento, ele abandona a profissão por causa de uma perseguição política e se torna um lavador de janelas.
O mais interessante é que apesar da perda forçada de prestígio, ele se deixa fascinar pelo conforto que é trabalhar sem ter que se conectar profundamente ao serviço:
“Mas uma vez habituado (o que demorou mais ou menos uma semana) à espantosa estranheza da sua nova vida, percebeu de repente que estava a começar umas longas férias.
Fazia coisas a que não ligava importância nenhuma, e isso era bom. Compreendia finalmente a felicidade daqueles (que, até agora, nunca lhe tinham inspirado senão piedade) que exercem uma profissão que não escolheram auxiliados por um es muss sein! interior e da qual se esquecem mal largam o local de trabalho. Nunca sentira essa bem-aventurada indiferença. Dantes, quando uma operação não tinha corrido bem, tinha uma crise de desespero e não conseguia dormir. Chegava mesmo a perder o gosto pelas mulheres. O es muss sein! da sua profissão era como um vampiro que lhe sugava o sangue.
Agora, percorria as ruas de Praga com a sua grande vara de lavar montras e constatava com surpresa que se sentia dez anos mais novo.”
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