O dia em que o Murakami me convidou pra um café
Por Márcia Lira em
“No mundo existem pessoas que montam a maquete de um navio dentro de uma garrafa usando uma longa pinça, e demoram quase um ano nessa tarefa. Escrever romances talvez seja algo parecido.”
Haruki Murakami – Romancista como vocação
Dia desses o escritor e tradutor japonês Haruki Murakami me chamou pra um café. “Vem cá, senta aqui comigo, quer bater um papo sobre como é ser um escritor?”.
Tivemos uma longa e agradável conversa que durou horas e horas, perdi a noção do tempo. Foi um papo tão leve e de igual para igual que por alguns momentos eu esqueci que era o famoso Murakami quem conversava comigo.
Foi assim que me senti lendo Romancista como vocação.
Um autor reconhecido internacionalmente, considerado um dos mais importantes da atual literatura japonesa, com livros traduzidos em 42 idiomas. Fiquei surpresa com o jeito tão simples e amistoso de escrever, me apaixonei.
O começo de tudo
O escritor começa contando como era sua vida antes de escrever.
Murakami chegou a ser dono de um bar de jazz em Tokyo junto com a esposa, dos 20 aos 30 anos, onde fizeram muitas dívidas mas também se mantiveram.
E conta como um dia assistindo a um jogo de futebol, ele pensou: “É, talvez eu possa escrever um romance.”
“Depois do jogo, fui a uma papelaria e comprei papel e caneta-tinteiro (Sailor, dois mil ienes). Como na época, processadores de texto e computadores não eram comuns, eu tinha que escrever tudo à mão. O que produziu uma sensação bastante nova em mim. Eu me sentia animado, afinal fazia muito tempo que não escrevia com uma caneta-tinteiro.
Tarde da noite, depois do trabalho, sentei-me à mesa da cozinha e comecei a escrever o romance. Tirando essas poucas horas até o amanhecer, eu praticamente não tinha tempo livre. Assim, concluí Ouça a canção do vento em cerca de seis meses.”
Murakami
O livro é cheio de considerações sobre a profissão com autobiografia, então é massa saber das dificuldades que Murakami teve na vida antes de se tornar um nome consagrado.
Ao mesmo tempo, ele é bem generoso em contar as frustrações e os processos internos pelo qual passou.
Do inglês para o japonês
Um dos bastidores mais curiosos em Romancista como vocação é saber o método de escrita que o escritor adotou para que a sua literatura ultrapassasse os muros da linguagem japonesa.
Como o japonês se expressa em um caminho muito diferente das línguas ocidentais, Murakami passou a escrever em inglês primeiro e depois fazer a tradução para o japonês.
Segundo ele, procedimento que adotou e que tornou seu texto mais conciso e limpo, “percebi que não havia necessidade de usar palavras difíceis nem belas expressões para impressionar as pessoas”.
Referências literárias e musicais
Quem gosta de livro para aprender, vai curtir essa obra do autor da premiada trilogia 1Q84.
Murakami cita muitas referências literárias como Hemingway e Raymond Chandler. No capítulo IX, “Que tipo de personagens vou criar?”, se debruça sobre os estilos usados em O Grande Gatsby, O Apanhador no campo de centeio, e faz cruzamento dessas informações com seus próprios livros.
Tenho vontade de mergulhar de novo nessa leitura depois que ler mais a obra dele, já que este foi o meu primeiro.
Referências musicais também não faltam, como como Bob Dylan e os mestres do jazz Thelonious Monk, Bill Evans, Bud Powell e Herbie Hancock.
Livros escritos por mulheres
Ao longo da conversa, Murakami também critica as vitrines das livrarias no Japão que separa livros escritos por homens dos livros escritos por mulheres.
E aproveita para indicar escritoras que admira como Jane Austen e Carson McCullers, escritora estadunidense que viveu até 1967, cuja obra considerada maior é O coração é um caçador solitário. Conhecida por tratar temas como adultério, homossexualidade e racismo.
Ele também fala de seu apreço por Alice Munro e por Grace Palley, sobre quem eu nunca tinha ouvido falar.
“Afinal, sempre achei que os romances, as narrativas, têm a função de pacificar os conflitos entre os diversos estereótipos e de amenizar as diferenças. Função maravilhosa, sem dúvida nenhuma. Desejo secretamente que os romances que escrevo assumam positivo no mundo, mesmo que de forma sutil.”
Haruki Murakami
Eu li esse livro em 2019 e fico com pena de não ter escrito sobre ele logo que acabei, pois aquela memória fresca da leitura não está mais aqui.
Às vezes acontece comigo, quando gosto muito do livro fico um pouco travada para falar dele.
Mas espero ter dado uma ideia boa do que ele proporciona, realmente depois desse livro quero ler cada vez mais o Murakami. Foi um prazer e recomendo 100 por cento.
A história do livro
Eu não posso deixar de contar a história de amizade que tem por trás desse livro.
Um dia fui na casa de Paulinha e vi essa obra na estante, chamou minha atenção e ela prontamente me emprestou.
Depois que eu já estava na metade da leitura, me dei conta de que eu estava grifando o livro inteiro. A lápis, porém, né? E pra completar eu descobri que ela ainda não tinha lido o livro, vejam a vergonha que eu fiquei.
Vocês acham que Paulinha ligou?
Ela disse que ia adorar pegar o livro com meus grifos. Eu sou muito grata, e sempre que falar desse livro vou lembrar dela e da nossa amizade.
Isso é muito lindo nos livros.
E sim, eu quero ser evoluída e despreendida assim como Paulinha quando eu crescer.
3 comentários
Marcinha… eu amei sua resenha … vou começar a ler já ??