Livros, filmes, música: cultura pra não enlouquecer em tempos de pandemia
Por Márcia Lira em
É tanta incerteza que a gente não tem ideia do que pensar. A gente não sabe mais como o mundo vai estar amanhã. Como o Brasil vai estar no próximo mês. Como é que eu vou acabar o ano?
O mundo estava estranho, mas a ameaça do Coronavírus deu uma rasteira sem precedentes na humanidade.
Sabemos que o pior está por vir, nos alternamos entre o medo de uma catástrofe ao ver os 10 mil mortos em um país desenvolvido na Itália, e a esperança nas medidas preventivas de distanciamento social implantadas pela maioria dos estados brasileiros.
Mas ser brasileiro neste momento está muito difícil.
O cenário político no Brasil com um (des) governante à frente das coisas, e com a polaridade gritando mais alto do que a nossa capacidade de nos unir para enfrentar o desafio, deixa tudo pior.
Diante disso, quem tem nos ajudado a manter a sanidade e a levar os dias com certeza são os produtos culturais. O que seria da gente neste momento sem nosso livros, filmes, músicas e séries?
Claro, eu e você que temos o privilégio desse acesso. Mas precisamos nos dar conta de que num país cujo Governo Federal tem massacrado a Cultura de várias formas, seja justamente ela quem esteja nos salvando.
Então além bater merecidas palmas para os profissionais de saúde, bater panela nas janelas, fazer doações e ações para as pessoas carentes, ajudar os pequenos empreendedores, precisamos valorizar os pequenos e médios que nos proporcionam cultura.
E como uma apaixonada por livros, chamo atenção para as editoras e livrarias. Não a Amazon, que não vai quebrar. Mas falo da livraria do seu bairro e daquela editora que faz edições lindas, precisamos ser gratos e ficar atentos para ajudarmos à medida que pudermos.
O que me atentou para isso foi a importante Carta aberta aos amantes dos livros, escrita pelo Mário Bentes, editor-chefe da Lendari. Uma editora de São Paulo voltada para obras de fantasia, realismo mágico, terror e ficção científica.
Mário Bentes, em “Carta aberta aos amantes de livros”Hoje, como forma de conter o avanço da doença, estamos isolados em nossas casas – ao menos, quem tem o privilégio de fazê-lo. Diante da solidão e do tédio, são os filmes, as músicas e os livros que têm reduzido a angústia e proporcionado um pouco de escapismo.
Essa é uma reflexão fundamental. Leia ao final a carta na íntegra.
Agora é lógico que diante de tantas incertezas, estamos muito mais comedidos para gastar. Mas talvez você esteja aí comprando um livro pela internet.
Em vez de comprar on-line na Amazon ou de outra empresa gigante, por que não procurar saber como a livraria da sua cidade está se adaptando? Se o estabelecimento não tiver um e-commerce, talvez esteja fazendo vendas por Whatsapp.
Hoje descobri que a Livraria Jaqueira, que tem duas unidades aqui no Recife, está com um ótimo serviço neste sentido. Por Whatsapp, falei com eles e adquiri o livro que queria por um preço melhor do que saíria pedindo pela internet.
Vou receber em casa, e com frete grátis. Recomendo. Vi também que o Varejão do Estudante, que tem uma livraria, também está atuando nas vendas por Whatsapp.
Outra opção é prestigiar os títulos de ótimas – e menores – editoras brasileiras que vêm impressionando pela qualidade gráfica e de conteúdo dos seus títulos.
A maioria delas disponibilizou parte do seu acervo em e-books gratuitos para ajudar a população a ter dias melhores nesta quarentena, e também estão com promoções:
- Aleph
- Biblioteca Azul
- Boitempo – e-books gratuitos + 20% de desconto no catálogo de e-books.
- Cepe – 14 e-books gratuitos até o fim do mês, além de promoções.
- Darkside
- Editora34
- Elefante
- Lendari
- Todavia – e-books com descontos entre 14% e 77%.
- Ubu Editora
E claro ainda tem a opção de fazer uma busca pelo título em sebos virtuais como o Estante Virtual, ou nos sebos da sua cidade.
Enfim, juntos vamos passar por essa crise. Fiquem em casa e se cuidem para que em breve a gente possa voltar às livrarias e sebos, aos teatros e cinemas e shows.
Carta aberta aos amantes de livros
Há uma cena no filme “O Dia Depois de Amanhã” (2004) em que um grupo de personagens está isolado na Biblioteca Pública de Nova Iorque depois da cidade ser invadida por um tsunami e literalmente congelar com a queda brusca da temperatura causada pelas mudanças climáticas. Em certo momento, eles precisam usar os livros para fazer fogueiras e, assim, se manterem aquecidos e vivos. Numa sequência, enquanto apanham as obras que serão sacrificadas, um dos personagens abraça uma Bíblia, o que chama atenção de uma colega de isolamento:
— Acha que Deus pode te salvar?
— Não. Eu não acredito em Deus.
— Está abraçando a bíblia bem apertado.
— Estou protegendo-a. Essa bíblia foi o primeiro livro impresso. Representa o surgimento da era da razão. Se quer saber, acho que a escrita é a maior conquista da humanidade. Pode rir… mas se a civilização ocidental estiver com os dias contados, salvarei pelo menos um pequeno pedaço dela.
Como no filme, estamos matando o planeta diariamente e lidando com as consequências. Não na mesma velocidade apresentada na ficção de Roland Emmerich, mas com dramaticidade estranhamente similar. Hoje o que tem nos assustado é a pandemia mundial de Corona Vírus (COVID-19), que já matou alguns milhares na Itália e alguns no Brasil, apesar do presidente da nação não apenas negar, mas como fazer descaso e literalmente atrapalhar as ações paralelas dos governos estaduais para conter a crise de saúde pública.
Chamei atenção para a cena do filme em questão porque, hoje, como forma de conter o avanço da doença, estamos isolados em nossas casas – ao menos, quem tem o privilégio de fazê-lo. Diante da solidão e do tédio, são os filmes, as músicas e os livros que têm reduzido a angústia e proporcionado um pouco de escapismo. A arte e a cultura, tão defenestradas por Bolsonaro e seu gado cego, são um dos pilares que nos salvam. O outro é o sistema de saúde, o SUS, e seus milhões de funcionários públicos, apesar dos esforços das políticas neoliberais de desmantelá-los.
Escritores e pequenas editoras da todo o país ajudam no processo. Estão abrindo mão de receitas e deixando milhares de títulos gratuitos nas lojas digitais para dar sua contrapartida no imenso esforço de isolamento que tem sido feito por uma parte da população. Há poucos dias, a Lendari fez um post pedindo que os leitores retribuam deixando comentários, resenhas, avaliações e, mais importante, que passem a acompanhar estes produtores culturais para quando a peste passar.
Mas há uma recessão a caminho. Toda crise de saúde de grandes proporções gera impactos na economia e os pequenos, como sempre, vão pagar o pato. Não é a FIESP que pagará. Não é o veio da Havan. As grandes empresas vão sobreviver, mas para isso cortarão empregos, salários (com autorização do presidente), direitos… As pequenas empresas não vão aguentar. No grupo de pequenas empresas estão as editoras que fornecem milhões de títulos para o mercado nacional de livros. As mesmas editoras que hoje abrem mão de suas receitas para ajudar na quarentena da população podem fechar as portas amanhã. Não é alarmismo, é a realidade.
O número de downloads gratuitos, como é de praxe, é elevado. O que não é ruim, pois mostra interesse e necessidade do público pela leitura. Mas o número de livros baixados de forma legítima costuma ser maior que o de vendas em um ano inteiro, o que nos traz à reflexão. A maior parte destes livros, hoje gratuitos, são baratos, variando de R$ 6 a R$ 10. Não é das grandes marcas e suas sagas estrangeiras que estamos falando. São de pequenos editores e escritores que investem muito para ter muito pouco retorno – ou reconhecimento.
Se você, amante de livros, gosta desta diversidade de obras no mercado, nacionais e internacionais, é chegada a hora de dar sua contribuição. Não permita que pequenas editoras fechem as portas. Não deixe que autores independentes parem de produzir. Visite seus sites, suas lojas, clubes de assinatura, campanhas no Catarse. Ajude, compre seus livros, apoie suas iniciativas.
Não será fácil para ninguém. Mas é hora de resiliência, união e solidariedade. Como já diziam os Titãs, em “Comida”, “A gente não quer só comida / A gente quer comida / Diversão e arte”. E quando as pestes – as biológicas e as presidenciais – passarem para os períodos obscuros da História, poderemos, como nas estrofes seguintes, viver mais dias de liberdade: “A gente quer saída para qualquer parte”.
Se a civilização literária estiver com os dias contados, salvem pelo menos um pequeno pedaço dela.
Mário Bentes,
Editor-chefe
Lendari
Acesse a publicação original da carta no Facebook da Lendari. Siga a editora também no instagram: www.instagram.com/lendaribr.
3 comentários
Deixe um comentário