‘Sejamos todos feministas’, nunca 50 páginas disseram tanto
Por Márcia Lira em
No dia 8 de março de 2019 eu recebi um abraço acolhedor da Chimamanda Ngozi Adichie. Foi o dia em que eu li seu livro Sejamos todos feministas.
O Dia Internacional da Mulher era uma data em que até há pouco recebíamos flores e parabéns aleatórios. Agora é o #8M, o momento de gritar ainda mais forte o basta contra a desigualdade de gêneros.
Eu estava de molho por conta de um procedimento cirúrgico e me entristeci consumindo tanta informação pela internet e redes sociais sobre como os tempos ainda são muitos difíceis para nós.
Ensinamos as meninas a se encolher, a se diminuir, dizendo-lhes: ‘Você pode ter ambição, mas não muita. Deve almejar o sucesso, mas não muito. Senão você ameaça o homem. Se você é a provedora da família, finja que não é, sobretudo em público.’ (…) Por que o sucesso da mulher ameaça o homem?”
– Chimamanda Ngozi Adichie
Os números
Como chegamos a esse ponto em que 536 mulheres são agredidas com socos, empurrões ou chutes a cada hora no Brasil? Uma população inteira do Equador, 16 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência em 2018 (Datafolha/FBSCP 2019).
Segundo dados do Ministério da Saúde/ Sinan, um estupro coletivo aconteceu a cada 2 horas e meia no Brasil em 2016. São todos dados compilados no perfil da @midianinja no Instagram com o nome #8M2019.
O que é impressionante no Sejamos todos feministas é o quanto a autora nigeriana faz a gente refletir em cinquenta páginas de uma escrita simples e muito fluida.
Chimamanda começa contando da primeira vez em que foi chamada de “feminista” como uma espécie de xingamento pelo seu melhor amigo. Depois conta as situações que a fizeram ir rejeitando os estereótipos que o termo carrega.
Ser mulher é universal
Depois vai costurando experiências dela e de outras mulheres com fatos e perguntas para mostrar o quanto a questão de gênero importa.
É um beabá feminista que não decepciona os mais enga jados na causa. É tão incrível ler que uma mulher na Nigéria passa pelas mesmas exatas situações que eu e você. As pequenas opressões do dia a dia.
Vale ressaltar que o livro é uma versão de uma palestra que a Chimamanda Ngozi Adichie deu no TEDxEuston, em 2012. Ela foi aplaudida de pé e o discurso coleciona milhões de visualizações no Youtube.
Em 2014, Beyoncé lançou a música Flawless ft. Chimamanda Ngozi Adichie, cuja letra incorpora parte do discurso de Sejamos todos feministas (assista no Youtube).
Abri a bolsa, peguei o dinheiro e lhe dei. E ele, feliz e grato, pegou o meu dinheiro, olhou para o meu amigo e disse: “Muito obrigado, Senhor”. Para o flanelinha, qualquer dinheiro que pudesse ter certamente provinha de Louis. Porque Louis é homem.”
– Chimamanda Ngozi Adichie
O outro lado
Uma coisa que acho fundamental em Sejamos todos feministas é que o acolhimento se estende para os homens. A essa altura, é bem mais claro como as mulheres são modeladas desde pequenas para aceitar um lugar menor.
Mas como temos educado meninos que se transformam em homens que não respeitam as mulheres?
Embora eu seja uma mulher no mundo há décadas, o meu olhar feminista é muito recente. Desde então tento estar atenta a como eu ajudo a reforçar a desigualdade de gênero.
O modo como criamos nossos filhos homens é nocivo: nossa definição de masculinidade é muito estreita. Abafamos a humanidade que existe nos meninos, enclausurando-os numa jaula pequena e resistente. Ensinamos que eles não podem ter medo, não podem ser fracos ou vulneráveis, precisam esconder quem realmente são – porque eles têm que ser, como se diz na Nigéria, homens duros”.
– Chimamanda Ngozi Adichie
Seja aceitando certas situações, seja identificando e rejeitando (verbalmente ou não) atitudes que prestem esse desserviço.
É um processo trabalhoso e muitas vezes frustrante, principalmente quando você mesma se pega com atitudes que reforçam essa cultura. Diminuindo uma mulher em comparação a um homem, por exemplo.
Se dar conta pode ser doloroso, mas é necessário. As cinquenta páginas da Chimamanda com uma visão amadurecida e ao mesmo tempo serena do feminismo me chamaram à calma e persistência.
Sejamos todos feministas é um livro que todos, mulheres e homens, devem ler.
Virei fã dessa mulher maravilhosa e quero continuar pela literatura dela com livros como Hibisco Roxo (2003), Meio Sol Amarelo (2006) e Americanah (2013), sobre os quais já ouvi muitos elogios.
Você é leitora ou leitor da Chimmamanda, qual próximo livro dela me recomenda?
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Ficha Técnica
Sejamos todos feministas, Chimamanda Ngozi Adichie
Veja na Amazon: https://amzn.to/2uG4y4u
Nota: 5/5
Editora: Record, 2012/2014
Páginas: 50
ISBN: 978-85-359-2547-0
Onde a trama acontece: Nigéria
3 comentários
São 50 páginas nos ensinando o que é de fato o feminismo, bem longe do pregado pela mídia e redes sociais. Uma pena que vira e mexe vejo pessoas que leram e não entenderam nada dessa preciosidade. Não precisamos disputar! Precisamos nos aceitar, nos aperfeiçoar e ir a luta para termos nosso espaço no mundo, com dignidade e respeito. precisamos ensinar filhos, irmãos, namorados, amigos, colegas de trabalho a importância do feminismo, até mesmo para uma sociedade mais justa e igualitária. Ganharemos espaço por competência e não só porque somos mulheres. Assim como não devemos perder espaço por ter competência mas sermos mulheres. Gostei da sua resenha.