Memória de Minhas Putas Tristes, escrita que dança entre vida e amor
Por Márcia Lira em
No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem”
E assim começa o livro Memória de Minhas Putas Tristes, o meu primeiro Gabriel Garcia Márquez (1927-2014), o livro que me fez fechar a última página encantada com o autor.
O personagem principal que toma a decisão de aniversariante é um jornalista que escreve crônicas para o jornal e vive sozinho da sua aposentadoria numa casa grande herdada da família.
E sabendo pouco assim, começamos a acompanhar a sua saga para cumprir o desejo inusitado de 90 anos.
Eu esperava algo bem diferente do livro com esse título. Achei que com certeza leria sobre cenas de surubas históricas, mas apesar do título este não é um livro, digamos, pornográfico, mas sim erótico.
Apesar de acontecer numa Colômbia em que o censor das 21h faz as edições e cortes finais nas edições dos jornais, a narrativa é uma saga de um indivíduo que se vê solitário ao chegar perto do fim da vida, e tenta curtir ‘o milagre de se estar vivo nessa idade’, como ele mesmo diz.
Não vamos nos enganar que Memórias de Minhas Putas Tristes, do Gabo como os íntimos chamam (ainda não me encontro neste patamar) chama, é um romance politicamente incorreto.
Afinal, o personagem principal é um ancião que quer uma ninfeta – vulgo menor de idade – para uma noite de sexo, de modo que enaltece condutas condenáveis como a exploração sexual infantil, o culto à mulher jovem e o descarte das mulheres mais velhas.
De certa forma, o romance acabou me fazendo pensar no quanto são práticas antigas e universais, que demoraremos muito para abolir (não acredito que eu vá ver isso). Resta à literatura abordar as coisas como elas são.
O livro pra mim foi um exemplo dessa coisa fantástica que a literatura faz, que é colocar a gente dentro na cabeça de um outro completamente diferente.
De que outra forma então eu poderia entender as motivações e o modo de ver a vida de um velho colombiano jornalista à beira dos seus 100 anos?
Vivo numa casa colonial na calçada de sol do parque de San Nicolás, onde passei todos os dias da minha vida sem mulher nem fortuna, onde viveram e morreram meus pais, e onde me propus a morrer só, na mesma cama em que nasci e num dia que desejo longínquo e sem dor.
(Relendo esse trecho de resignação, fiquei pensando nas semelhanças que o personagem tem com o protagonista de O Estrangeiro, de Albert Camus).
O tom sexual está sempre presente na história, mas a descoberta do amor, os medos da entrega e o efeito avassalador que ele traz à vida são temas que ganham mais holofotes.
A convivência com a iminência da morte também é algo muito presente no livro: “aquele foi o início de uma nova vida, e numa idade em que a maioria dos mortais está morta”.
Que jeito de escrever!
É um livro que serviu para me deixar com um gostinho de quero mais para a escrita do colombiano.
Pois entre um fato e outro da história, Gabo vai pincelando considerações sobre a vida e o amor numa escolha de palavras admirável. Eu que não tenho dó de usar lápis, deixei meu livro bem grifado.
É aquele tipo de obra em que cada palavra foi colocada exatamente onde o destino disse, formando uma dança da leitura deliciosa.
Gabriel Garcia Marquez é considerado um dos maiores escritores do século XXI, Prêmio Nobel de Literatura em 1982. Descortinou a América do Sul para o resto do mundo, principalmente a partir do romance Cem anos de solidão, de 1967.
É a obra mais famosa do autor, traduzida mundialmente, que mistura realismo mágico com romance histórico, numa combinação que permeia toda a obra do autor. Há de ser a minha próxima leitura do Gabo.
Tratei de reler os clássicos que me mandaram ler na adolescência, e não aguentei. Mergulhei nas letras românticas que tanto repudiei quando minha mãe quis me forçar a ler e gostar, e através delas tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados”
Gabriel Garcia Marquez
Comecei a ler o livro por ocasião do #Desafiodos7livros, que consistia em ler sete obras curtas nos primeiros sete dias de 2020. No fim das contas, o desafio me venceu e eu não consegui acabar.
Mas o que vale é que ele me colocou diante desse livro, cuja leitura flui e pode sim ser feita em um único dia.
E você, indica ou tem vontade de ler alguma obra do Gabriel Garcia Márquez?
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Memória de Minhas Putas Tristes
Gabriel Garcia Márquez
(veja na Amazon: https://amzn.to/36QVKKe)
Editora: Record (Tradução de Eric Nepomuceno)
Páginas: 127
ISBN: 850107265-6
Nota: 4/5
Um livro para: pensar sobre amor na velhice
3 comentários
Dele li apenas “cem anos de solidão”, achei a história bem construída e os personagens muito bem desenhados pelo autor. “O estrangeiro”, de Camus, considero uma alto análise do narrador. Nunca mais esqueci a sensação que tive quando terminei de ler e fiquei pensando naquela vida e maneira como ela foi vivida.