Um papo sobre fotografia e 23 livros com Alcione Ferreira e Juliana Leitão
Por Marta Telles em
Eu me convidei para fazer mais um texto para o Menos1naestante. Dessa vez para unir muitas afinidades, a começar por esse blog, que adoro, a dona dele e outras duas amigas muito queridas e talentosas para falar sobre fotografia.
Porque eu não sei vocês, mas fotografia é uma coisa que gosto muito e que me pega. Posso ficar um tempão olhando só pra uma foto. No ano passado, li um texto do Nexo sobre o Sergio Larrain e fui na exposição.
E achei lindo e me emocionei com as fotos dele, além de guardar especialmente as dicas de fotografia que ele deu para um sobrinho que estava interessado na profissão. São dicas pra vida.
Tô longe de ser boa fotógrafa, mas depois da lição dele para o sobrinho, só guardo as fotos que mais gosto no meu celular. De vez em quando eu vou lá e passo a tesoura, numa tentativa de treinar o meu olhar e só gastar espaço com o que é bom.
E o que é bom é diferente pra cada um. E assim eu sigo guardando fotos, textos, trechos de coisas e vídeos que falem com o meu coração ou de reflexões difíceis, mas que não quero esquecer.
Agora que escrevo esse texto cheguei à conclusão, por exemplo, que o museu que mais visitava e o último que fui antes do distanciamento social foi o IMS na Avenida Paulista.
É um assunto que eu gosto tanto, quero ler mais sobre. Se você curte o tema tanto quanto eu e ainda não desistiu desse textão até aqui, fica mais que agora é que fica bom.
Trago umas perguntinhas no bom e velho modelo ping pong com Alcione Ferreira e Juliana Leitão. Duas fotógrafas com um olhar interessante para a fotografia.
Qual o primeiro livro que você lembra de ter lido sobre fotografia que te marcou?
Alcione Ferreira – O Ato Fotográfico de Philippe Dubois . Não foi o primeiro que li (o primeiro foi A Câmara Clara de Rolan Barthes) mas O Ato Fotográfico foi o primeiro que muito me marcou.
Juliana Leitão – O primeiro livro que eu li sobre fotografia especificamente foi A Câmara Clara de Roland Barthes, minha mãe tinha em casa e eu li. Não recomendo como primeiro livro porque não é um livro para iniciantes, mas é um livro excelente.
É um relato sobre fotografia pessoal, é uma discussão sobre definições do que é fotografia em um debate teórico em que ele responde outros autores.
Talvez o primeiro que eu li e gostei e hoje em dia passo para os alunos de graduação e percebo que eles gostam também é Diante da Dor dos outros de Susan Sontag (um parêntese aqui, ela é incrível não só na forma de pensar, mas na escrita também).
Indica três livros para quem quer começar a fotografar?
Alcione – Tem muitos mas acho que pode ser um começo interessante começar por ler três títulos de um mesmo autor:
- Fotografia e História
- Os tempos da Fotografia e
- Realidades e ficções na trama fotográfica.
Todos de Boris Kossoy, um dos mais respeitados pensadores contemporâneos da fotografia no Brasil. Nos três volumes o autor traz, com uma didática muito atraente, um panorama histórico e social da fotografia. É, sem dúvida, um bom começo que levará para conhecer outros ótimos autores.
Juliana – Existem livros muito bons para despertar o interesse em fotografia. Acredito que os livros que trazem alguma ideia sobre a técnica sem serem livros técnicos:
- A Ilusão Especular de Arlindo Machado (um livro que debate composição, enquadramento, perspectiva etc).
- 50 anos luz câmera ação de Edgar Moura para quem quiser experimentar uma fotografia aplicada à Direção (vídeo, cinema etc).
- A fotografia como arte contemporânea de Charlotte Cotton para quem já fotografa ou não está tão preocupado com técnica, mas quer desenvolver conhecimento estético, conhecer as pessoas, as linguagens e aplicar para ter uma fotografia mais autoral.
Tem algum livro de ficção em particular que um dos personagens principal é fotógrafo que você gosta da forma que é retratado?
Alcione – Não lembro de nenhum agora
Juliana – Eu pesquiso fotografia de guerra, cobertura de conflitos, imagens icônicas que normalmente têm a ver com traumas e grandes acontecimentos.
Meu supervisor do doutorado sanduíche em Barcelona me deu de presente um livro de ficção que eu gostei muito, sobre um fotógrafo de guerra que para de fotografar: El pintor de batallas de Arturo Pérez-Reverte.
Eu li logo após ir a uma palestra de Don McCullin (@donaldmccullin), um fotógrafo de guerra britânico que deve ter uns 80 anos e que hoje se arrepende de seu trabalho, observa como a ideia humanista da fotografia documental do século XX contaminou ele, ele acreditava que assim como aconteceu no Vietnã, a fotografia de guerra mudaria a visão das pessoas sobre a guerra, faria diferença, e ele chegou a conclusão de que as guerras continuaram mesmo com as imagens de denúncia.
Tem um outro livro chamado Clube do Bang Bang, que fala sobre fotojornalistas na África do Sul na época do Apartheid. O livro costura as histórias reais de Ken Oosterbroek, Kevin Carter, João Silva e Greg Marinovich; fala de imagens icônicas interessantes. É um livro documental , mas tem uma escrita meio de filme.
E um clássico, que eu amei quando li é o livro que Robert Capa escreveu, Ligeiramente fora de foco. Capa escreveu esse livro para contar suas histórias, então ele floreia sua cobertura de guerra de um jeito engraçado e cinematográfico.
Ele era amigo de Hitchcock, teve um romance com Ingrid Bergman. Então ele tinha a pretensão de que sua vida virasse um filme. Quando a gente pesquisa sobre Robert Capa percebe como ele teve uma vida digna de filme mesmo.
Que livros você indica sobre fotojornalismo para quem não é fotógrafo ou jornalista?
Alcione – Ligeiramente Fora de Foco – Robert Capa e Clube do Bang Bang de João Silva e Greg Marinovich
Juliana – Além dos que citei na pergunta anterior servem muito bem e vou acrescentar mais dois: Fotografia e Sociedade de Gisèle Freund (a autora foi fotógrafa e trabalhou na Magnum, ela fala dos bastidores da agência na guerra e pós-guerra, fala dessa fotografia documental clássica, fala dos grandes nomes da história do fotojornalismo, o surgimento dos paparazzis, como funciona a lei de direito de imagem, como as agências organizavam profissionalmente suas coberturas).
E Sobre Fotografia de Susan Sontag – essa autora me toca pessoalmente, ela é uma intelectual, fala sobre tudo e muito bem sempre, esse livro, que é uma introdução à fotografia vai falar sobre as questões pessoais que movem ela como não fotógrafa. É uma aula sobre a leitora de imagens que essa mulher foi.
Qual livro que leu que não era sobre fotografia, mas fez você pensar sobre fotografia?
Alcione – As palavras Andantes de Eduardo Galeano e As cidades invisíveis de Ítalo Calvino , O Sonâmbulo Amador de José Luiz Passos e A desumanização de Valter Hugo Mãe.
Juliana – O livro de Chimamanda Ngozi Adichie, O perigo de uma história única.
Eu fiquei muito impressionada com a fala sobre as múltiplas história dentro de uma história, sobre como precisamos ter cuidado para não repetir a história que já existe e reforçar uma visão de algo.
Me marcou muito esse livro, li no avião, comprei no aeroporto e recomendo a todas as pessoas. Gosto de textos simples e claros, o que não é fácil quando se trabalha com conceitos complexos.
Para você, a fotografia tá mais para prosa ou para o poesia?
Alcione – Acho que tá muito presente nos dois gêneros. Miguel Rio Branco está para a prosa assim como Luiz Braga está para a poesia. Ambos têm em suas obras a cor como linha de força dos seus trabalhos, mas cada um a comunica de uma forma bem peculiar.
Juliana – Acho que depende da fotografia, existe uma fotografia sem função como imagem, sabe aquela foto que fazemos para enviar a algum amigo dizendo “esse é meu prato de comida” ou tira foto do lugar onde você está em um show para a pessoa te achar?
Então, essa foto como imagem é só uma mensagem, ela não vai para álbuns e não é produzida com fins artísticos. A fotografia de notícias, de denúncia, de documentos, de rituais como casamento etc eu vejo como algo relacionado à prosa.
Já a fotografia que se pretende artística, que fala da autora ou do autor da imagem, que pensa dentro para emanar fora, é poesia.
Tem um projeto que estou desenvolvendo que coloquei um poema de Manoel de Barros maravilhoso que tem a ver com essa fotografia que se pretende criação.
O texto Ensaios Fotográficos de Manoel de Barros:
Você vê uma relação entre graphic novel e fotografia? Indica algum livro?
Alcione – Sim. Indico fortemente as obras do autor Joe Sacco, em especial Palestina. Sacco faz um jornalismo de imersão através de suas HQs, e usa a fotografia como suporte para a elaboração de suas narrativas visuais ilustradas.
Outro que indico é o brilhante Chris Ware, em especial por sua obra Jimmy Corrigan – o garoto mais esperto do mundo, nessa HQ o autor trabalha composições espaciais e enquadramentos inspirados na publicidade americana dos anos 50.
Juliana – Sim, a relação entre as imagens visuais eu sempre vejo com bons olhos, me cansa um pouco as separações em caixas do que é o que, qual seu público, qual seu valor de arte etc.
Então eu vejo muita aproximação entre fotografia, ilustração, grafite, colagem etc. Uma recomendação? Persépolis, a autobiografia em quadrinhos da iraniana Marjane Satrapi, porque é lindo mesmo.
Espero que vocês tenham chegado até aqui e abaixo segue uma mini bio das duas fotógrafas. Convido vocês a seguir as duas no Instagram e participar um pouco mais do que elas têm a dizer sobre foto e nas fotos.
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Alcione Ferreira é fotógrafa: instagram.com/alcioneferreira_fotografia/
Trabalhou como fotojornalista durante 15 anos no Diario de Pernambuco. Desde 2015 atua profissionalmente como freelancer.
Paralelo às demandas de trabalho, tem se dedicado à pesquisar e desenvolver projetos artísticos autorais na fotografia e no audiovisual com o tema afeto e memória no âmbito de traumas coletivos e os deslocamentos/percursos da imagem no universo do álbum de família.
No seu perfil no Instagram, ela compartilha um pouco do seu olhar, inclusive com algumas fotos à venda.
Juliana Leitão é fotógrafa: https://www.instagram.com/juliana.leitao/ Doutora em Comunicação pela UFPE e Professora Adjunta dos Cursos de Comunicação Social e Design do Centro Acadêmico do Agreste da UFPE. Atua com pesquisa e extensão no campo da fotografia fazendo conexões com identidade, arte, processos de ruptura e representação visual dos acontecimentos.
Atuou por oito anos como fotojornalista nos jornais Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Organizou em 2019 o livro: Sobre Fotografia e Sertão e atualmente está coordenando dois projetos de Extensão: Retratos do Agreste e Fotografia em tempos de confinamento. Para acompanhar um pouco mais sobre a vida acadêmica de Juliana, sobre fotografia e referências, segue ela no Instagram;
E foi aí que pensei em me aprofundar mais em fotografia em si e na história da fotografia. Tenho poucos livros sobre o tema e queria saber de quem entende e já leu bastante para escolher outros livros e pegar umas dicas com quem já sabe muito bem o caminho das pedras.
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Todos os livros indicados neste post por ordem alfabética:
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50 anos luz câmera ação, Edgar Moura – https://amzn.to/3h0KeS0
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El pintor de batallas, Arturo Pérez-Reverte – https://amzn.to/2Fmw93f
Ensaios Fotográficos, Manoel de Barros – https://amzn.to/2XVEJw4
Fotografia e História, Boris Kossoy – https://amzn.to/3al5iQq
Fotografia e Sociedade – Gisèle Freund – https://amzn.to/3ao86MK
Jimmy Corrigan – o garoto mais esperto do mundo, Chris Ware – https://amzn.to/2E3I9pO
Ligeiramente fora de foco, Robert Capa – https://amzn.to/31MSbUl
O Ato Fotográfico, de Philippe Dubois – https://amzn.to/2Fn0ONR
O perigo de uma história única, Chimamanda Ngozi Adichie – https://amzn.to/2FnxczZ
O Sonâmbulo Amador, José Luiz Passos – https://amzn.to/3iC08SV
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