Eduardo Galeano: literatura em tempos sombrios
Por Felipe Ferraz em
Tenho 33 anos e, desde que posso lembrar, ou alucinar; já que não estou completamente certo de uma das minhas primeiras memórias literárias, que envolve um livro de figuras sobre uma cobra de duas cabeças apaixonadas entre si – a leitura tem sido meu passatempo preferido.
Pra mim, sempre foi sinônimo de aconchego e afeto. Mesmo nos títulos mais pesados, nunca tive problemas para encarar cenas complicadas com a leveza necessária.
Mas acho que tudo mudou neste ano.
Neste Brasil de 2019, reencontrei Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio. Em poucos dias, devorei O livro dos Abraços e O Caçador de histórias, obras que reúnem crônicas e memórias cheias de nostalgia e afeto, umas das marcas registradas de Galeano, seja ao narrar pequenos contos indígenas sul-americanos ou trechos recortados de notícias jornalísticas.
No entanto, só ontem, depois de meses de esforço, consegui finalizar a versão pocket de Dias e Noites de Amor e de Guerra. Um livro de 200 páginas, lançado em 1978, com suas já familiares memórias. Mas, até o momento, é no que ele mais encara os anos de ditaduras e seus dias no exílio.
Os relatos quase que diários de mortes e prisões de pessoas queridas, a censura aos meios de comunicação e as relações pessoais em tempos de chumbo dão ao livro um tom angustiante, apesar do carinho, em muitas das lembranças.
Em determinado momento, Galeano disserta sobre os torturadores e ditadores. Decide não taxá-los de monstros extraordinários. Nega-lhes qualquer tipo de grandeza. Meros funcionários públicos com meta a bater, burocratas eficazes engolidos pelo sistema. Pais de família que, ao fim do expediente, sentam no sofá para assistir TV com os filhos.
Personagens que lembram meu vizinho e o hino do exército entoado aos gritos no apartamento de baixo, enquanto Dilma era arrancada do poder por um golpe parlamentar. Um antigo colega de trabalho que adora usar as redes sociais para exigir a morte dos esquerdopatas. Um parente qualquer que agradece os anos de chumbo no jantar de família.
Difícil não vê-los como sinais.
Principalmente nestes tempos de hoje, quando jornalistas, escritores e a classe artística, de um modo geral, encontra-se na mira de um grupo, cada vez maior e mais orgulhoso de sua capacidade, quase que inexistente, de leitura, análise e interpretação de texto.
Dias e Noites de Amores e de Guerra traz lembranças de uma América Latina que passou, mas que tenta se fazer presente no Brasil de 2019.
Talvez seja angustiante.
Mas o que não tem sido angustiante nos últimos meses?
—
Dias e Noites de Amor e de Guerra
Eduardo Galeano
(veja na Amazon: https://amzn.to/36QVKKe)
Editora: L&PM
Páginas: 208
ISBN: 852541090-X
Nota: 4/5
Um livro para: refletir e lembrar
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