Como um detox de redes sociais me ajudou a ler mais e melhor
Por Marta Telles em
Eu tinha uma lista mental de desejos e delírios do que faria quando/se acontecesse de ficar sem trabalhar. Ler mais era um deles. Ler até o mundo se acabar.
Lembro de um amigo dizer que um conhecido seu passou um ano sem trabalhar e leu. Foi isso o que ele fez. Pensei ser uma maneira excelente de gastar um ano.
Pois eu me vi com uns meses na minha mão. Entre janeiro e fevereiro eu li uns cinco, seis livros.
Minha ideia era zerar os livros que já tinha começado e terminar os emprestados para devolver – Fabi, não sei se lembra, tenho dois teus ainda aqui.
Para isso, criei uma regra de que não compraria mais um livro novo enquanto não terminasse os das estantes, mas eu mesma de vez em quando acho uma brecha e quebro minha promessa.
É que fazia tempo que queria ir naquele sebo, uma edição de Adoráveis Mulheres em inglês é mesmo imperdível, assim como um livro de roteiro para quadrinhos agora que tenho o @banquinhodasequela. Faz todo o sentido… Faz sim… Saí de lá com os dois.
E que tipo de pessoa teria culpa por comprar livros?
Para! (comprei um livro sobre quadrinhos e auto sabotagem antes desse texto ser publicado). Falando assim até parece que é essa grande leitora toda!
Passou batido por tantos clássicos. Nunca nem tentou Ulisses. Perdeu muito mais noites em Netflix e porres homéricos do que agarrada em livros.
Mas o prazer quando esse último acontece é bem grande. Assim como a culpa quando demoro muito pra ler. Às vezes eu acho que essa dificuldade de parar para ler um livro só aumenta em mim.
Minha leitura sempre foi meio caótica. Começo a ler um, e paro. Começo outro, e paro. Compro sem terminar o que tem em casa. Vejo uma recomendação e quero comprar outro.
Leitura assim pá-pum só quando o livro é curto ou se for desculpa pra fugir da vida em sociedade – três dias internada dentro de um quarto lendo pra fugir das pessoas e dos problemas lá fora. Pra fugir de um problema eu faço cada coisa… viro até misantropa.
Teve o tempo que minha leitura dançava conforme a pressão. Aquela que é pra cumprir prazo na escola ou na faculdade. Jamais esquecerei que li Chatô em quatro dias, num feriado, pra dar conta de uma apresentação.
Mas hoje eu não brigo com prazo, Hoje prazo não é mais o problema.
A grande questão agora é ler sem interromper
Eu leio uma página, duas, três, mas aí o autor fala de algo que eu preciso ver no Google.
Aproveito pra entrar no Instagram pra ver se o autor tem conta lá, se faz selfie, se posta #tbt. Quando vejo acabei a fileira de stories. Já escureceu e nem água bebi.
Procrastinar é uma coisa que eu faço muito bem. Sair de um cômodo para o outro e não lembrar o que ia mesmo fazer também. Minha falta de foco se repete na vida digital.
Aliás, a internet me ferrou. Perder o foco é comigo. Nesse emaranhado de interrupção, me dei conta que poderia responder um quiz sobre as influencers que sigo, sobre o Grand Norton Show – Já viu? Fazer uma análise comparada dos talk shows americanos ou fazer uma palestra sobre Ricky Gervais – devo ter visto todas as entrevistas que ele deu que estão disponíveis na internet…
Dito isso, me pergunto: qual seria a trajetória do herói que eu ia contar sobre esse tempo sem trabalhar? Que eu passei meses vendo vídeos no YouTube?
Eu queria mesmo era fazer desse tempo algo importante pra mim. Não sei quando terei outra oportunidade dessa.
Aí eu tomei uma decisão bem millennial.
Resolvi fazer detox de redes sociais!
Primeiro me dei o prazo de uma semana. Sete dias sem Instagram, YouTube, Twitter, Facebook.
Esse último tá fácil – não fosse a agenda de aniversários já teria saído. O Instagram era o que achava que ia ser mais difícil – e foi, nos dois primeiros dias. Mas aí eu fiquei uma semana, achei pouco e fiquei mais outra.
E o resultado? Consegui terminar dois livros e chegar na metade de um terceiro mais corpulento. E o que eu perdi no Instagram? Nada. Algumas mensagens de amigos, uns stories que me marcaram e expiraram. Nada demais.
Passados 15 dias, voltei. Mas com outro ritmo. Sem urgência de acompanhar os outros ou postar qualquer coisa que seja sobre a minha vida. Mas, não vou mentir, eu tive vontade de compartilhar nos dias que fiquei sem usar.
Queria postar dicas de fotos do Leia isto se quiser tirar fotos incríveis de gente – eu gosto desse tipo de livro porque eu faço um monte de coisa meio que intuitivamente e uma publicação dessa mostra alguns porquês, algumas técnicas e nomes de artistas que não tinha muito conhecimento – e que anotei os nomes para pesquisar depois pra não entrar no saco sem fundo do Google.
Tive vontade de postar sobre Uma história de Sarajevo que é uma reportagem em quadrinhos que, pra mim, é quase filme do Tarantino. Que foda esse livro e esse autor! Que maneira ágil de contar essa história, que personagem incrível esse Neven!
Já o terceiro e último livro, o que cheguei na metade, eu tinha ensaiado começar a lê-lo faz tempo, mas eu fico com muita raiva, quero pesquisar todas as referências, quero brigar…
Esse eu continuo com vontade de compartilhar, fazer jogral, discutir cada frase, ligar pra autora e passar duas horas com ela no telefone. E olhe que nem acabei de ler.
Eu acho que quando você termina O mito da beleza sai outra pessoa, e eu espero me desprender de muita construção social, perceber e questionar muitos padrões.
Acredito que vou terminar no domingo (terminaria uns três domingos depois de escrito esse texto), mas sei que vou ruminar durante muito tempo depois. Revisitar algumas vezes.
Na verdade esses dias de detox de redes sociais não me trouxeram uma resposta reveladora que há tempos busco, mas me deram uma visão mais prática de como usar o tempo e escolher melhor o que consumir.
Ficar de fora por um tempo mostrou que eu não perdi nada. Pelo contrário, fiquei menos ansiosa, sem pensar em comprar nada que eu não precisasse, olha que vitória.
Para além de acompanhar memes e polêmicas, aprendo muito navegando nas redes sociais. Mudo de ideia, descubro lugares novos, bandas, linguagens de comunicação, filmes e livros.
Mas o mais importante que essa pausa me deu foi mais tranquilidade.
Me lembrou em como é bom, às vezes, poder se debruçar em um tema de forma mais intensa.
Um livro é isso, né? É um mergulho numa história que não tem só uns minutos, cinco maneiras de qualquer coisa. Me fez voltar a escrever coisas só porque fiquei uns minutos olhando na janela.
Tive tempo/inspiração pra fazer os desenhos do @banquinhodasequela (e guardar pra postar depois). Terminei umas séries que queria ver faz tempo. Fui andar pelo bairro.
Depois você volta ao mundo virtual. Mas volta com outro ritmo. E isso é certeza (ou quase porque o fantasma do bicho que te faz passar duas horas no Instagram sem perceber vive rondando).
E sempre que achar que as redes sociais estão tomando muito tempo ou me deixando ansiosa, vou jogar fora a pressão de saber de tudo que está acontecendo agora. É como um chá de presença. Eu quero tomar de tempos em tempos.
3 comentários
AUTOR
Marta Telles
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Oi, Ronaldo! Eu estou na mesma busca. Mandei um email para um lugar que v3m buscar o livro em casa e não tive resposta. Se eu conseguir te mando notícias por aqui.
Acho que nunca me vi tão bem contemplado num texto. Tenho problemas de ansiedade, e acabo ficando muito chateado e decepcionado comigo quando não termino uma leitura, ou abandono outras. Minha estante, então? Acumuladíssima de livros que eu deveria ter lido há muito, muito tempo. Isso se potencializa quando eu me lembro que, antigamente, eu era um monstro da leitura – eu realmente devorava livros atrás de livros. Para se ter uma ideia, eu li todos os livros d’As Crônicas de Gelo e Fogo (os 5 lançados até agora) em torno de seis as 12 meses. Já viu o tamanho daqueles bichos? Então…
Isso é só algum exemplo de como eu lia, e quão pouco leio hoje em dia. Isso me entristece, porque sinto que fico cada dia mais ignorante quando não leio. Apesar de que, se soubermos usar os recursos digitais, até mesmo a internet pode nos proporcionar boas leituras.
Entretanto, já faz um certo tempo que sinto essa mesma necessidade de fazer um detox das redes sociais – tanto para minha vida enquanto leitor quanto como ser humano mesmo. Imaginem só, estou dormindo super tarde, atrapalhando minha saúde mental (porque durmo pouco), porque não consigo desgrudar da tela do celular. É vício que chama, né?
Mas seu texto me inspirou a ir adotando essa prática no meu dia-a-dia. Passo o dia inteiro conectado nas redes, por causa de trabalho, e não tem muito motivo para ficar grudado o tempo todo na tela à noite, quando chego da academia e tenho tempo livre pra me dedicar à leitura. Né? Vamos ver no que vai dar…
Marta, uma pergunta absolutamente off topic: você saberia onde eu posso doar livros na cidade de São Paulo?
Procurei bastante na internet, mas na maioria dos lugares que mandei mensagem eles não aceitam.
Eu até poderia doar para minha antiga escola (particular) ou para o clube que frequento (…), mas queria doar para quem precisa e não para quem já tem condições.
E confesso que tenho preocupação de doar para algum local que não vai faze bom uso.
São romances, livros em inglês, livros de direito, economia, filosofia, gibis da Mônica (da minha filha), livros infantis, quase todos em ótimo estado.
Sempre adorei livros, desde meus 13 anos de idade de compro, coleciono, e tenho enorme prazer em vê-los…mas tenho me questionado se vale a pena ter tantos e tão bons livros na minha estante, se não é melhor doar e deixar circular.
Bem…é isto.
Abraços e parabéns por seu trabalho.
Ronaldo