[Entre livros] filme the dead zone – o futuro é mutável, but should we?
Por Márcia Lira em
Conheça a mais nova seção do Menos1naestante: a Entre Livros é sobre coisas interessantes entre uma leitura e outra. Podem ser impressões minhas ou de um colaborador, como é o caso dessa estreia bem original [contém spoilers].
por mateus mendes
acostumado com, talvez, a preponderancia de filmes simplistas nos dias de hoje, baseando-me nas dicas iniciais do filme em referencias a the raven e the legend of sleepy hollow, achei que poderia ser apenas sobre a relaçao deste homem com suas mulheres.
e seu principal antagonista seria o serial killer que estuprou e matou varias mulheres em castle rock, cuja relação com mulheres é distinta e adequadamente oposta a relação do protagonista. acaba que este não foi o unico antagonista, mas um dos degraus no desenvolvimento de john no entendimento de sua situaçao e aceitaçao do seu novo poder.
o mais importante sobre essa questão é que este nao é um filme sobre um inimigo, hoje os filmes parecem ser sobre inimigos (perdao por generalizar os filmes de hoje). este é um filme sobre uma situação, e nesse quesito, apesar de nao ter lido ainda, posso supor que faz parte do estilo de stephen king.
talvez uma brasa que esteja mais acesa na literatura, menos, no cinema, a historia é sobre uma situaçao, majoritariamente na vida dessa pessoa, john, o protagonista, mas podendo escapar do mesmo, ou do que o mesmo vivencia.
posso dizer que é assim tambem em 11.22.63 e em under the dome. sao historias que abordam um se, um what if. ate a extinçao, ou soluçao das perguntas e curiosidades sobre a questao, ate a satisfaçao do escritor e do leitor.
sequencia de abertura
é de wayne fitzgerald, as imagens nao parecem remeter a itens diretamente relacionados ao filme, mas é misteriosa e da espaço pra a musica de michael kamen crescer, enquanto o titulo do filme vai sendo revelado.
então, the dead zone é sobre um professor de inglês, john, que se encontra acordando de um coma de 5 anos apos um acidente de carro. ele logo descobre que adquiriu um poder, second sight, ve o passado, o presente ou o futuro de quem ele toca, ganha uma oportunidade de agir com esse conhecimento, que vai alem do que pode ser visto normalmente.
a origem do poder nao é importante. o personagem começa a entender o que pode fazer com esse poder depois de superar as perdas causadas pelo acidente e consequente coma.
o filme começa com john recitando o final de the raven e recomenda que seus alunos leiam the legend of sleepy hollow que ele resume ser sobre um professor de inglês que é perseguido por um demônio sem cabeça. se os alunos entendem the raven de edgar allan poe de primeira eu nao sei, mas a cena prenuncia seu destino e coloca ambas obras como referencias que alguns temas giram em torno. em parte pode se ver uma relaçao tambem entre ichabod e john.
dor de cabeça
john tem dores de cabeça durante sua jornada, e parecem estar relacionadas ao seu poder, porem ele teve uma dor de cabeça semelhante antes de se acidentar, na montanha russa, essa passa batida no momento, ele e sarah, sua noiva, não se importam muito com isso.
mais pra frente, a dor de cabeça é estopim para seu médico comentar que ele está piorando da sua condição, mas o motivo ou a relação com seu poder não é elucidada nem hipotetizada. imagino que a fonte do poder é algo na sua cabeça e talvez o acidente seja apenas um catalisador que acelerou ou permitiu o seu desenvolvimento.
já é de noite quando john deixa sarah em casa. ela oferece para que ele fique a noite lá, ele diz que pode esperar por isso, e mesmo com chuva dirige, um fusca, eu já dirigi um e sei que aquele limpador não presta pra nada mesmo, nem adianta passar a mão no parabrisa.
era um fusquinha lindo, o icônico putaquepariu, o teto revestido com um forro creme com bolinhas e descosturando na beira, clássico. só assim, de noite, chovendo e com aquela luz ruim do farol que dá pra ele não ver um caminhão tanque dobrado na estrada. pra quase chumbar ele de frente, sorte de john que o tanque parecia ser de leite, e não era um filme de michael bay, pois se fosse ia é explodir na certa.
relação com mulheres e deus
john acorda do coma e conversa com weizak, seu medico, que nao conta a ele que esteve 5 anos em coma ainda. assim, john se impressiona de ter saido de um acidente grave e estar sem bandagens nem arranhoes.
ele pensa que é sobre essa sorte/milagre que sua mae esta falando quando entra no seu quarto ate entender que sua sorte é a de acordar apos o coma. a sorte é da mãe de ter seu filho de volta, e ela mostra ressentimento em sua noiva ter desistido dele, e casado com outro. moved on.
john perde os alicerces originais da sua vida, sua saúde, sua mulher, seu trabalho. ele retrocede a familia, o pai e a mãe. em seguida ele perde sua mãe, de forma que tambem parece ser coincidencia, durante uma entrevista que ele da aos jornais e ela esta assistindo.
sua relação com mulheres é que se devotou a uma, depois que a perdeu, voltou a mae e a perdeu tambem. os dois primeiros casos que ele ve com seu poder o permitem salvar a filha de uma enfermeira, de sua casa que pega fogo no presente, e reunir o seu medico a mae dele, supostamente morta em algum contexto de guerra.
the raven é sobre um narrador que lamenta a morte de sua amada, lenore. até aqui, todas as mulheres são lenores, john faz seu papel em ajudar outras pessoas a reencontrarem as suas, ou impedir que as percam enquanto ele perde as dele.
como carly rae jempsen diz, you took your time with the call, I took no time with the fall, os sentimentos sempre chegam a flor da pele em momentos diferentes para o homem e a mulher, no primeiro reencontro de john com sarah, ele está em cima da situação, sob controle, ela sai aos prantos no carro.
a situação se inverte em outro momento quando ela vai a sua casa com o filho. ela remete a noite que ele a deixou em casa, dizendo que já esperou demais. transa offscreen, ela fica, faz o jantar, o pai toca na ferida, faz tempo que não tem uma familia jantando nessa mesa, obviamente doendo no entreolhar do casal a brevidade e insustentabilidade da situaçao.
dessa vez o espaço foi dominado por sarah, e quando ela sai com o carro é ele que esta sentindo enquanto ela parece resolvida, ele marejado. em conversa fica estabelecido que aquilo não se repetira.
no primeiro contato com o xerife john esta se vendo desgraçado por deus — quando deus entra em pauta — enquanto o xerife se refere ao poder como bençao. john ainda esta lamentando sua propria desgraça, so depois ele decide ajudar o xerife.
seu antagonista nesse momento é um estuprador que mata suas vitimas, e abusa do confiança que elas tem nele para se aproximar e cometer o crime. é um dos policiais, e john descobre, tocando-a, que a mae do serial killer sabe dos crimes do filho e esta o protegendo. esse personagem tao oposto fecha o ciclo de lamentação para john e de certa forma o deixa em paz com as suas lenores.
curiosamente, esse vilao parece estar em todas as cenas em que seus crimes sao debatidos, parece ser mais um momento de foreshadowing no filme, coincidente ou nao.
acredito que o fim do seu episodio de lamentação se da logo antes do episodio de determinação, o segundo momento do filme, começar, quando, dando aula para um aluno particular, o mesmo esta recitando the raven, a obra aparece novamente enquanto o protagonista se encontra pensativo, refletindo internamente sobre seu proprio ciclo de lamentaçao.
o poder
as he was a bachelor, and in nobody’s debt, nobody troubled about him anymore. trecho de the legend of sleepy hollow que ele usa para demonstrar a sarah em seu primeiro reencontro, seu desejo de ser deixado em paz pelas pessoas.
o poder so funciona com o toque a outra pessoa, mesmo morta, e ele descreve para o pai que é como se estivesse morrendo quando vê. o filme o mostra se tornando presente no que ele está vendo, seja no presente ou passsado. no futuro ele so assiste.
alem de sentir o momento ele aprende mais coisas que nao se vê, como o nome de alguem, seu endereço, etc, coisas que o filme nao mostra. mas para descobrir quem é o assassino foi importante que ele visse o rosto, para isso foi importante seu posicionamento no local. provavelmente só uma questão de tempo de filme para revelar a identidade do cara, mas interessante para entender o poder.
é um segundo momento no filme, pos-lenores, onde john se reestabelece e volta a ensinar, porem em sua propria casa, uma nova casa em outra cidade. as linhas de the legend of sleepy hollow que ele recitou a sua ex-noiva continuam uma verdade pela qual ele conduz sua nova vida, apesar de continuar sendo procurado por pessoas interessadas pelo seu poder. ao contrario de ajudar essas pessoas ele acaba topando em uma situaçao que decide intervir.
é interessante que muitos personagens vem e vao, na história de john e como ele lida com seu poder. um pai solicita que john de aulas a seu filho, que parece isolado para ele, isso permite que john conheça um dos candidatos politicos do momento, e receba a informaçao desse pai que o candidato nao é gente boa.
esse par do aluno e seu pai estabelece o segundo passo de evoluçao do personagem, ele esta resolvido com as mulheres, mas se isola e se sente isolado de progredir com uma vida normal enquanto evita o seu poder (destino de usar seu poder). por acaso ele toca o aluno e ve como sua morte. ele conta ao pai e perceber que pode alterar o futuro dessa criança lhe da nova direçao.
ao tocar a mao do candidato corrupto — so o espectador sabe disso com certeza ate o momento — ele vê um futuro presidente desastroso para o mundo.
futuro
ver o futuro nao implica na imutabilidade do mesmo. stephen king escreveu the dead zone em 1979, e parece haver elementos semelhantes a mesma questao levantada em 11.22.63. em ambas as historias inclusive, ha momentos semelhantes onde o personagem é mentorado por uma figura mais velha, em the dead zone o medico faz esse papel, em 11.22.63 é o amigo que o transfere seu poder de viajar no tempo ao protagonista que lhe serve como mentor.
ciente do futuro negativo do candidato, e da sua capacidade de alterar o futuro que viu ele pergunta a seu mentor se o mesmo voltaria no tempo para matar hitler, se tivesse esse conhecimento e poder na hipotese. o medico diz que sim, e motivado pelo seu mentor, john arquiteta o assassinato desse candidato.
a tentativa da errado em matar mas é o suficiente para alterar o futuro. john tem a oportunidade de o tocar novamente e vê que em seu novo futuro ele se suicida devido ao fracasso.
em 11.22.63 o protagonista volta ao passado para tentar evitar o assassinato de john kennedy, na data que da nome a obra. todo seu esforço serve apenas para descobrir que se ele fizer isso o futuro do mundo sera desastroso, o que o força a voltar novamente e desfazer as alteraçoes iniciais, permitindo que kennedy seja morto.
ao concluir esse filme so pude pensar que o assassino de kennedy bem poderia ser um viajante tambem, enviado para evitar um futuro tragico da unica forma que ele soube. as duas obras acabam debatendo sobre a imprevisibilidade do futuro mesmo se o alterarmos, e se é certo faze-lo. exceto que em um temos o assassino sendo criado e no outro temos a busca em evitar o assassinato.
john escreve uma carta para sarah se despedindo e dizendo para confiar que o que ele esta fazendo é importante. determinado, apos se esconder tanto do seu poder. jake, em 11.22.63 esta em duvida sempre, e sua amada esta no passado, criando, na serie outras questoes e a possibilidade de poder viver com seu amor, que john nao teve.
dead zone
significa em ingles, de forma abrangente, uma ausencia. normalmente, uma area do oceano com pouco oxigenio e portanto, ausencia de vida, ou uma area onde nao se recebe sinal de telefone ou radio, comunicaçoes, ausencia de comunicaçao.
nao pude perceber nas visoes, mas ele explica para seu medico que nas suas visoes ha uma dead zone, ai fica o significado do filme, essa dead zone, esse espaço em branco de alguma forma esta envolvido com a possibilidade de alterar o futuro.
john é um personagem perdido. de certa forma, expelido de uma vida normal, talvez o sonho americano, ele encontra seu proposito e vira uma pessoa determinada no final do filme, e nos momentos que seu talento lhe da uma nova funçao. enquanto foge do seu talento ele nao se encontra na vida, afogado no luto da sua perda.
Nota do colaborador: 5/5
Título Original: The Dead Zone, 1983.
Nota RT: 90%
[box] Colaboração: Mateus Mendes
socio da 151 makers [prototipagem e impressao 3d], coordenador de campo na habitat para humanidade. nao gosta de acentuaçao nem capitalizaçao e as vezes e negligente com as virgulas.
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Fonte das imagens dos livros: 01, 02 e 03
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