O que a primeira frase de um livro diz sobre ele
Por Márcia Lira em
Uma das valiosas coisas que aprendi com o escritor Raimundo Carrero é o que a primeira frase de um livro informa sobre a obra inteira. Carrero diz que dá para avaliar se um livro é bom ou não, numa olhada rápida, simplesmente pela primeira frase – no máximo, o primeiro parágrafo. Aos aprendizes do ofício, ele chama atenção para a primeira sentença de um romance. Deve ser matadora. Agarrar o leitor, causar curiosidade.
Claro que é uma teoria reducionista e Carrero a profere com toda a consciência, mas não deixa de ser um artifício para sentir uma obra. Tática muito válida levando em conta que ler leva tempo, artigo tão precioso e aparentemente escasso. Mas o pior é que eu nunca achei uma publicação que desmentisse essa teoria. Vamos a alguns exemplos de primeiros trechos:
“Ernst Spengler estava sozinho no seu sótão, já com a janela aberta, preparado para se atirar quando, subitamente, o telefone tocou.”
Jerusalém, de Gonçalo M. Tavares. Matador, héin? E que o livro é bom eu já falei exaustivamente aqui.
“Em setembro de 1974, ao anoitecer, um pequeno avião bimotor, prateado e preto, aterrisou numa pista auxiliar do Aeroporto de Cogonhas, em São Paulo. Diminuindo a velocidade, fez uma curva e deslizou em direção a um hangar, onde uma limusine estava à espera.”
É o começo de outra obra sobre a qual eu comentei aqui, Os Meninos do Brasil, de Ira Levin, é assim: Capturou você? A mim, não, como escrevi. Só gostei do livro do ponto de vista histórico.
“- – – – – – estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender.”
Pegando uma unanimidade como Clarice Lispector. Em A Paixão Segundo GH, a primeira frase é essa (com traços e tudo). Precisa nem dizer, né? E o livro eu amei.
“O eterno retorno é uma idéia misteriosa, e Nietzche, com essa idéia, colocou muitos filósofos em dificuldade: pensar que um dia tudo vai se repetir tão como foi vivido e que essa repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato?”
É o comecinho com que Milan Kundera me sequelou em A Insustentável Leveza do Ser, que é daqueles que muita gente não leu, mas todo mundo já sabe que é bom.
Você concorda ou discorda com essa teoria? Qual é a primeira frase do livro que você está lendo? Conta nos comentários.
Foto de Vitor Sá.
3 comentários
AUTOR
Márcia Lira
Márcia Lira. Jornalista. Social Media. Especialização em Jornalismo Cultural. Fundadora do Menos1naestante há 14 anos. E-mail: marcialira@gmail.com.
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Visitei e gostei muito disso aqui. Bem interessante e com meu perfil! Parabens
Foi o melhor e o pior dos tempos. Frase inicial de “Um conto de duas cidades”, Charles Dickens.
“Sempre que tiver vontade de criticar alguém lembre-se de que nem todos tiveram as mesmas vantagens que você”. O Grande Gatsby, Fitzgerald
A não ser que você, assim como muitos, classifique The Lord Of The Rings como subliteratura, segue aqui um exemplo que essa teoria EXCESSIVAMENTE reducionista de Carreiro é EXCESSIVAMENTE reducionista e na verdade dificilmente se aplica:1ª frase de The Lord of The Rings: The Fellowship Of The Ring"When Mr. Bilbo Baggins of Bag End announced that he would shortly be celebrating hiseleventy-first birthday with a party of special magnificence, there was much talk and excitement inHobbiton"Claro que conferir se a teoria é válida é um exercício de curiosidade muito bacana. Só assim para eu arriscar novas leituras que dificilmente atririam minha atenção (Cain, de Saramargo, por exemplo) e revisitar velhos conhecidos meus como Revolução dos Bichos e Childhood's End =)
Ah, pelo pouco que conheço de O Senhor dos Anéis escrito, eu não desconsideraria nunca. Maior respeito 🙂 E é, boa observação, curioso mesmo sair verificando isso.
"Era inevitable: el olor de las almendras amargas le recordaba siempre el destino de los amores contrariados". – Primeira frase do livro: El amor en los tiempos del cólera (Gabriel García Márquez).
acho a teoria MUITO reducionista. E acho que ela é meio folclore entre os escritores. Coincidentemente, esta semana li um post do Xerxenesky sobre isso: http://blog.antonioxerxenesky.com/?p=530 :*